terça-feira, 9 de junho de 2009

Eutanásia: uma reflexão complexa
















Euthanasia: a complex reflection

Cristiane Urcina Joanna Oliveira Lima
Departamento de Nutrição, Universidade Católica de Brasília. Taguatinga, DF, Brasil.

Departamento de Graduação em Nutrição, Universidade Católica de Brasília. QS 07, lote 01, Águas Claras, 72022-900, Taguatinga, DF, Brasil, 61-3356 9221. Correspondência para/Correspondence to: C.U.J.O. LIMA. E-mail: urcina@ucb.br

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília (UCB) como pré-requisito para aprovação na disciplina de Tópicos Especiais sobre a Velhice. Brasília, 2009.

EUTANÁSIA: UMA REFLEXÃO COMPLEXA


Resumo: A prática da eutanásia permeia desde os tempos antes de Cristo até a sociedade moderna. Contudo, atualmente, esta se caracteriza entre os temas mais polêmicos, inclusive no meio da bioética, pois não há consenso sobre a legitimidade de tal conduta. Sob a percepção ética, a eutanásia concerne o direito de morrer com dignidade, sendo este um direito fundamental a todo cidadão autônomo. Ao ingressar no campo dogmático constitucional brasileiro, se verificam uma completa omissão e rejeição desta referente ao tema em questão, mesmo posteriormente algumas tentativas frustradas de incluir um posicionamento jurídico brasileiro sobre a eutanásia. No âmbito do catolicismo, que é a posição mais concreta em relação à temática, há uma oposição à eutanásia embasada no princípio da sacralidade humana. Portanto, a eutanásia promove e ainda resultará em um intenso debate, por ser um assunto muito delicado, embora mereça profunda reflexão sobre a matéria para uma definição mais concreta.

Palavras chave: Eutanásia. Dignidade humana. Direito de morrer. Catolicismo.

Introdução

Em 09 de fevereiro de 2009, a italiana Eluana Englaro faleceu, após ser submetida à eutanásia. Atualmente, a eutanásia é considerada ilegal perante a legislação da Itália, contudo posteriormente a três ações judiciais ingressadas na Corte de Apelação de Milão, pleiteando a retirada da sonda de alimentação e hidratação da sua filha, Beppino Englaro, obteve o deferimento desta solicitação em julho de 2008. A jovem tinha 35 anos de idade, e já estava em estado vegetativo há aproximadamente 17 anos, posteriormente a um acidente automobilístico, que a tornou dependente de equipamentos médicos para que a mantivesse viva ou “sobrevivendo”. O governo italiano estava prestes a impedir esta ação alegando ilegitimidade do recurso interposto pelo pai, quando a eutanásia foi realizada, suscitando acirrada discussão do mundo inteiro sobre a legalidade deste provável direito de morrer1.
Este caso é mais um que se inclui entre outros, já ocorridos em diversos países, como Estados Unidos, Holanda e Alemanha. Sendo que os primeiros casos semelhantes a este ocorridos nestes locais supracitados, foi o princípio para que a sociedade e o estado começassem a refletir sobre o direito de morrer e a permissão para morrer com dignidade2.
Com origem grega, o termo eutanásia significa “boa morte” ou “morte digna”, sendo esta descrita pela primeira vez no século II d.C, pelo historiador Suetônio, que caracterizou a morte do imperador Augusto como suave: "Sua morte foi suave, tal como sempre a tinha desejado, porque quando ouvira dizer que alguém tinha morrido rapidamente e sem dor, ele desejava o mesmo para si e os seus, usando a expressão euthanasia"3. No entanto, assim como se verifica na nossa sociedade atual, a eutanásia provoca falta de unanimidade desde antigamente, inclusive entre os filósofos gregos, contudo esta era uma prática comum e realizada em largas proporções nestes tempos4.
A eutanásia é um tema que promove diversas opiniões opostas, causando muita polêmica inclusive na comunidade acadêmica, especialmente na bioética. Embora praticada regularmente nos tempos antigos, hoje a legalização da eutanásia é discutida sobre a percepção social, ética e moral, fato este que gera muitos argumentos favoráveis e desfavoráveis a esta técnica, consequentemente apenas alguns países tiveram a ousadia de tornar este ato legal em seu território, como a Bélgica, Holanda e Suíça5. Contrariamente a decisão destes países, a legislação brasileira ainda considera a eutanásia como homicídio sobre a pena de responder legalmente sobre o ato praticado.
A morte é o desfecho final que todo ser humano está ciente, contudo a interrupção do bem maior – a vida - seja ela forma abrupta ou insidiosa causa sofrimento e dor tanto ao sujeito desta ação quantos aos indivíduos mais próximos ao caso, como profissionais de saúde e familiares. Paralelo, a este, contemplamos hoje, de um grande avanço tecnológico na área da saúde que entre outras vantagens, propicia ao paciente um maior prolongamento da sua sobrevivência3. Nesta perspectiva surgem várias indagações sobre a relação da eutanásia com a autonomia do indivíduo de poder escolher seu fim ou abreviar o seu sofrimento diante de uma situação irreversível e a ilegalidade deste ato.
Portanto, diante do exposto verifica-se que a eutanásia é um ato complexo que requer discussões profundas, principalmente sob a percepção ética e moral. Logo, o presente artigo, visa realizar uma breve revisão de literatura sobre o tema, enfatizando os aspectos éticos, jurídicos e a posição do catolicismo sobre o tema.

Nomenclaturas
A eutanásia é definida como a cessação da vida, causando a morte de alguém com doença terminal ou incurável. A eutanásia classifica-se em ativa e passiva, ao passo que a primeira abarca um ato médico (ex.: administração de injeção letal); e a última aludi à omissão de recursos, tais como medicamentos, hidratação e alimentação. Como também, a eutanásia pode ser voluntária, a partir do consentimento expresso pelo doente, ou involuntária, quando a pessoa está incapacitada de concordar. Mais recente, surgiu o termo ortotanásia que significa quando a morte ocorre no seu sentido natural; e a distanásia, denotando morte prolongada, onde a morte é dificultada em decorrência de um excesso terapêutico, causando sofrimento ao paciente6.

Morte: direito fundamental

Como determinar a morte? Este é um questionamento que promove um intenso debate científico, e que apesar do seu conceito atual estar centralizado na morte totalmente cerebral, há ainda opiniões contrárias. Contudo, esta definição tem implicações diretas na eutanásia7, pois, segundo Engelhardt (1998), uma situação é estar interessado no momento em que a vida humana biológica deixa de existir e outra é estar preocupado com o momento em que a pessoa deixa de existir8.
O direito de morrer com dignidade é um paradigma que enfoca a autonomia do paciente de estar livre de intervenções indesejadas e o direito de recusar tratamento7. A bioética tem este mesmo posicionamento em relação à eutanásia, justificando este no campo da filosofia3.
A discussão em torno da eutanásia envolve o direito fundamental de todos os cidadãos que é a autonomia individual, logo esta se relaciona tanto com o direito de manter-se vivo quanto com o de “morte com dignidade” ou “direito de morrer”. Portanto, o direito abrange ambos os posicionamentos contrários, tornando a discussão ainda mais complexa9.
Entretanto, o sujeito autônomo tem total liberdade de ação. Logo, é fundamental o respeito pela pessoa, à sua liberdade e dignidade. Portanto, além de aceitar a decisão deste indivíduo, o mesmo deverá ser informado sobre as prováveis consequências, para que a sua decisão seja tomada com liberdade, e assim garantida à dignidade da pessoa7.

Eutanásia e catolicismo

Desde 1950 a Igreja Católica aceita a prática da ortotanásia, contudo com observação de critérios específicos: “Quando a morte já se anuncia como inevitável, a decisão de renunciar a possíveis excessos terapêuticos que somente dariam um prolongamento precário e penoso pode ser considerada legítima”9.
Em 1956, já há a descrição da posição contrária da religião católica sobre a eutanásia, partindo do princípio que a vida é um dom que foi concedido por Deus aos seus filhos, sendo, portanto, este o único que detém o poder de decidir sobre o seu início e fim, sendo este considerado o princípio da sacralidade da vida7. Baseando-se nesta consideração temos algumas interpretações que justificam a posição contrária à eutanásia: o significado de atentar contra a vida humana seria se opor ao amor de Deus; é dever de todo ser humano se conformar com sua vida, pois esta representa a vontade do Criador; e por fim, a morte voluntária, o suicídio e o homicídio são inaceitáveis10.
A oposição do catolicismo à eutanásia, é referida em uma passagem bíblica sobre a morte do rei Saul, sendo esta considerada a primeira prática de eutanásia da história. Após uma batalha Saul encontrava-se ferido e temendo que fosse preso, pediu o amalecita que lançasse sua própria espada contra ele. O amalecita acabou realizando o pedido, que resultou também na sua morte, que foi sentenciada pelo rei Davi11.
Em 1980, houve a publicação da “Declaração Sobre a Eutanásia”, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, que se constitui o primeiro entre os principais documentos referentes ao posicionamento da Igreja Católica e a eutanásia. Segundo a declaração, o conceito de eutanásia é o mesmo referido por demais autores, porém ressalta que esta se relaciona com a intenção e o tipo de método empregado para tal fim. A principal crítica é que a eutanásia representa um crime contra a vida12. A percepção deste documento referente ao sujeito central dessa discussão, o paciente, é representada por um indivíduo que ao aproximar-se da velhice se aflige com medo de sofrer e, portanto, tenta ter uma morte com mais dignidade humana, ou seja, com o mínimo de sofrimento.
Posteriormente, em 1995, o Papa João Paulo II divulgou a “Carta Encíclica Evangelium Vitae”, retomando a alegação da declaração de 1980, porém enfatizando a tendência da sociedade atual em valorizar a morte, principalmente devido ao aumento da prevalência da população idosa mundialmente. Nesta também, há a expressão contrária a distanásia13.
O costume cristão enfatiza em sua essência que a vida espiritual se sobrepõe à física, porém esta última é condição necessária para usufruir dos bens espirituais14,15.
A tradicional doutrina católica considera que o sofrimento pode estar presente no processo de morte, porém este também pode apresentar-se desnecessário e maléfico. Logo, quando a continuação da vida biológica acarreta em deterioração espiritual e moral da pessoa pode se interromper a vida física.
A flexibilidade do catolicismo sobre o cuidado médico para com os pacientes graves é apresentada pelo Papa Pio XII ao relatar:
A razão natural e a moral cristã fundamentam, ambas, o direito e o dever de, em caso de doença grave, procurar o tratamento para conservar a saúde e a vida. Não obstante, "normalmente alguém está obrigado a empregar apenas os meios ordinários - conforme as circunstâncias de pessoas, tempos e cultura -, isto é, meios que não impliquem ônus extraordinário para si ou para outrem. Obrigação mais severa seria por demais onerosa para a maioria das pessoas e tornaria muito difícil a consecução do bem superior, mais importante. Vida, saúde, todas as atividades temporais estão na realidade subordinadas aos fins espirituais (Acta Apostolicae Sedis 49, 1957)16.
Se inicialmente a doutrina católica tinha como centro da discussão a imoralidade que representava a eutanásia, ultimamente, esta tenta compreender e esforçar-se para proporcionar ajuda para que as solicitações para morrer se tornem desnecessárias. Logo, verifica-se uma tentativa de implementar o direito de morrer em paz com dignidade humana e cristã17.
Outro assunto também discutido pela religião católica é a distinção moral entre interrupção de tratamento doloroso e inútil ao paciente e o ato de matá-lo, enfatizando, portanto, a opinião favorável do catolicismo a ortotanásia. Esta opinião tem provocado muita polêmica e discussão entre os bioeticistas. Pois para a referida religião “matar” significa uma determinada ação realizada com finalidade de causar a morte, e “deixar morrer” representa a omissão ou a interrupção de um tratamento desproporcional, para que o processo de morte possa prosseguir18.
Portanto, é aceitável não intervir em um quadro de um paciente terminal que não pode ser alterado, pois independentemente da atitude o desfecho não poderá ser interrompido, contudo, é inadmissível provocar a morte de qualquer paciente18.
A ampliação dos dias vividos, nem sempre será considerada a melhor decisão para o indivíduo. Dependendo da situação em que se encontra o paciente, a decisão de interromper o tratamento poderá ser considerada a atitude mais sensata. Assim, quando analisamos a eutanásia fora do contexto religioso, a eutanásia perde o seu intrínseco significado moral7.

Legislação Brasileira e Eutanásia

Atualmente, a legislação penal da maioria dos países, como Suécia, Grã-Bretanha, França, Portugal, Colômbia, entre outros, reconhece implicitamente o “suicídio assistido”, entretanto muitos se recusam a regulamentar à “eutanásia ativa”. Contudo, as legislações da maioria dos estados do Canadá e dos Estados Unidos permitem aos médicos a suspensão de tratamentos com a autorização do paciente ou de seu representante19.
Analisando a eutanásia dentre a conceituação jurídica, esta compreende o "direito de matar" ou o "direito de morrer", baseando-se na justificativa de redução do sofrimento. Logo, resulta na discussão sobre o direito de uma pessoa por fim à própria vida, valendo-se de outra pessoa20.
Contudo, temos outra indagação proveniente desta interpretação, que reside no fato que se haveria apenas uma faculdade ou um direito que possa ser coercitivamente exigido. Se partirmos do princípio que há um direito, o detentor deste poderá entrar com um processo, para fazê-lo valer, seja por seus próprios meios ou com o auxílio de alguém (CONSULEX, 2001).
No sistema jurídico brasileiro antigo, como o Código Criminal do Império de 1930 e a Consolidação das Leis Penais de 1932, não há nenhuma contemplação de qualquer disposição contrária ou favorável ao homicídio caritativo ou eutanásia.
A eutanásia não é explicitamente referida no atual Código Penal Brasileiro21, sendo esta nominada como "homicídio privilegiado". O profissional médico que realizar a eutanásia ativa, por meio de uso de medicamentos que induzam à morte, poderá ser condenado por crime de homicídio – com pena de prisão de 12 a 30 anos – ou auxílio ao suicídio – prisão de dois a seis anos. Contudo, se realizar a eutanásia passiva, ou seja, omissão de socorro, este ato também é tipificado como crime conforme previsto no artigo 135:
"Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco, à criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparado ou em grave e eminente perigo; ou não pedir, nesses casos socorro da autoridade pública:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se da omissão resultar lesão corporal de natureza grave, e triplica, se resulta a morte."
Houve uma tentativa de abordar a eutanásia na Legislação brasileira, que foi o Anteprojeto de Reforma do Código Penal, que considerava três faces da eutanásia: 1/ como um tipo de homicídio, 2/ tradicional (atenuação da pena para o praticante); e 3/ a ortotanásia (isenção da pena para o médico quando a praticasse com autorização do paciente ou família do mesmo). Logo, os dois tipos de eutanásia, ativa e passiva, foram contempladas neste anteprojeto, como podemos verificar nos incisos 3º e 4º do artigo 121 deste projeto, abaixo21-22:
Art. 121.: § 3º. "Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados: Pena - reclusão, de dois a cinco anos".
§ 4º. "Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém, por meio artificial, se previamente atestada, por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do doente ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge ou irmão".
Logo, o Direito Penal Brasileiro abordaria a eutanásia embasada nos seus artigos 121 e 135, pontuando respectivamente, o delito privilegiado (eutanásia ativa) e o crime de omissão de socorro (eutanásia passiva).
Contudo mesmo após a atualização do decreto 847/1990, o código penal brasileiro não modificou este tratamento legal que específica em seu artigo 26, que: "Não dirimem nem excluem a intenção criminosa, o consentimento do ofendido, menos nos casos em que a lei só a ele permite a ação criminal"23.
Em 1996, o senador Gilvam Borges, propôs o único projeto de lei brasileiro (número 125), que discorre sobre a provável legalização da eutanásia no país, sendo que até o momento este não foi levado à votação no Congresso Nacional. Nesta proposta de lei, a eutanásia seria permitida após o preenchimento de rígidos critérios avaliados por uma junta médica, e a requisição da eutanásia teria que ser solicitada pelo próprio doente ou por seus familiares, quando este se encontrasse inconsciente22.
Mais recentemente, segundo a interpretação da lei nº. 10.241/99 haveria a legalização da eutanásia passiva, no estado brasileiro de São Paulo, pois em seu inciso XXIII do art. 2º estabelece: que o cidadão deste estado pode recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida24.
Em 28 de novembro de 2006, o Conselho Federal de Medicina brasileiro, aprovou a Resolução número 1.805 que discute sobre o “morrer bem”: “Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal”. Houve inclusive o posicionamento favorável da Confederação Nacional de Bispos do Brasil, “afirmando que a prática da ortotanásia, feita com sério discernimento, representa a aceitação da condição humana diante da morte”. Entretanto, posteriormente, a este deferimento houve uma intensa discussão sobre a decisão, levando a suspensão da mesma em 2007, pela Justiça Federal, alegando que este ato seria considerado homicídio segundo o artigo 121 do Código Penal9.
Em uma pesquisa foi realizado um levantamento dos projetos de leis (PLs) referente à eutanásia, incluindo os em tramitação e os arquivados, em três Casas Legislativas: a Câmara Federal e as Assembléias Legislativas dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Verificou-se que 99 PLs se referiam à eutanásia, sendo que os argumentos para a linha favorável a esta prática baseavam-se em critérios científicos da classe médica, enquanto a desfavorável seguia os preceitos religiosos9.
Ao dever do Estado em legislar sobre temas tão complexos, cabe aqui refletir sobre as etapas do processo de elaboração das leis, que deverão ser objeto de prévios estudos, longos, aprofundados de consultas a pessoas competentes, de reflexões, de participação de parlamentares e precedidas de debate com a opinião pública7.
Logo, a discussão referente à legitimidade da legalização da eutanásia, ainda permeia um ambiente obscuro e muito subestimado por grande parte da sociedade brasileira, pois desconhecesse a dimensão de um tema tão complexo e delicado25.

Considerações Finais
É iminente a presença de discursos opostos relacionados à eutanásia, ao refletir este tema em vários âmbitos, sejam estes éticos, jurídicos e morais.
A eutanásia e a bioética se fundem ao analisar a questão em debate no direito fundamental de todo cidadão autônomo, que é a liberdade. Resultando em duas possibilidades do sujeito perante a morte com dignidade, de um lado agir de todas as formas possíveis para se manter vivo ou por outro, a decisão de não se permitir prolongar um sofrimento desnecessário.
A vida representa um dom supremo e valioso concedido ao ser humano, logo não pode de nenhuma maneira ser voluntariamente cessada, segundo o contexto da doutrina Católica sobre a eutanásia. Contudo, o sofrimento físico que o prolongamento artificial pode resultar a um indivíduo diante de uma doença em fase terminal também não obtém o apoio desta religião.
Ainda hoje, a doutrina constitucional brasileira mantém se omissa sobre o assunto em questão. Tal postura suscita alguns questionamentos: haveria assim, a existência de um código penal desatualizado em relação à eutanásia? Ou um comodismo por se tratar de um assunto, que envolve questões complexas no aspecto do direito, ético e religioso? Ou é um paradigma muito controverso que não foi possível se obter uma conclusão jurídica?
Portanto, a eutanásia envolve questões referentes a um tema complexo: a morte humana, logo requer intensa reflexão e atenção no cenário da sua legitimidade.



Abstract: The practice of euthanasia permeates from the time before Christ to modern society. However, currently, it features among the most controversial issues, including in the middle of bioethics, there is no consensus on the legitimacy of such conduct. Under the perceived ethics, euthanasia concerns the right to die with dignity, which is a fundamental right to every citizen unattended. To join in the dogmatic constitution Brazil, there is a complete failure and rejection in this regard to the subject matter, even after several unsuccessful attempts to include a position on the Brazilian legal euthanasia. Under Catholicism, which is the most concrete on the subject, there is opposition to euthanasia based on the principle of human sacredness. Therefore, euthanasia promotes and results in an intense debate, being a very delicate, but deserves thorough discussion on the matter for a more concrete definition.

Keywords: Euthanasia. Human dignity. Right to die. Catholicism.

Referências

1Redação dom agências internacionais. Morre Eluana Englaro, depois de 17 anos em estado vegetativo. O Estadão, São Paulo, 9 fev. 2009. Disponivel em:
www.estadao.com.br/noticias/vidae,morre-eluana-englaro-depois-de-17-anos-em-estado vegetativo,320912,0.htm. Acesso em: 16 abril. 2009.


2DWORKIN, R. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdade individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

3SIQUEIRA-BATISTA, R.; SCHRAMM, F. R. Eutanásia: pelas veredas da morte e da autonomia. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, 2004.


4BARROCA, M F. A eutanásia é uma derrota social. Disponível em: . Acesso em: 16 abril. 2009.


5SINGER, P. Ética prática. (2a ed). Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1998.

6GAFO-FERNANDEZ, J. 10 palavras-chave em bioética. Trad. Maria Luisa Garcia Prada. São Paulo: Paulinas, 2000.

7 TORRES, W. C. A Bioética e a Psicologia da Saúde: Reflexões sobre Questões de Vida e Morte. Psicologia: Reflexão e Crítica. v. 16, n. 3, p. 475-482, 2003.

8ENGELHARDT Jr., H. T. Fundamentos da Bioética. São Paulo: Loyola, 1998.

9GOMES, E. C.; MENEZES, R. A. Aborto e eutanásia: dilemas contemporâneos sobre os limites da vida. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 77-103, 2008.

10DUARTE, L. F. D.; et al. Família, reprodução e ethos religioso: subjetivismo e naturalismo como valores estruturantes. In: DUARTE, Luiz Fernando Dias et al. (Org.). Família e religião. Rio de Janeiro: Contracapa, 2006. p. 15-50.


11COSTA, D S, et al. Ética, moral e bioética, 2002. Disponível em: . Acesso em: 16 abril. 2009.


12Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração sobre a eutanásia, 5-5-1980, em SEDOC XIII, col. 171.

13Papa. João Paulo II. Carta encíclica evangelium vitae: sobre o valor e a inviolabilidade da vida humana. São Paulo: Loyola, 1995.

14MARTIN, L. Eutanásia e distanásia. In: COSTA, S. I. F.; VOLNEI, G.; OSELKA, G. Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998: 171-92.

15KUNG, H.; JENS, W. Dying with dignity: a plea for personal responsibility. New York: Continuun Pub Group, 1996.

16PESSINI, L. A eutanásia na visão das grandes religiões mundiais (Budismo, Islamismo, Judaísmo e Cristianismo). Mundo Saúde, v. 23, n. 5, p. 317-31, set.-out. 1999.


17PESSINI, L. Morrer com dignidade. 2.ed.ver.ampl. Aparecida: Santuário, 1994.

18GULA, R. M. Euthanasia and assisted suicide: positioning the debate. Saint Louis: The Catholic Health Asssociation of the United States, 1994.

19ROHE, A. O paciente terminal e o direito de morrer. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2004.

20Revista Jurídica CONSULEX. Eutanásia no Direito Comparado. Ano V. nº 114, 15 de outubro de 2001, p. 16.


21BRASIL, Constituição (1988). Constituição da república federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1990. 210p.


22NETO, L. I. L. A legalização da eutanásia no Brasil. 2003. Disponível em: . Acesso em: 16 abril. 2009.


23SOUSA, D. Eutanásia, ortotanásia e distanásia. Revista dos Tribunais. n. 706, p. 283-289, 1994.

24PITHAN, L. H. A dignidade humana como fundamento jurídico das “ordens de não-ressuscitação”. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.


25COELHO, M S. Eutanásia – Uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais. Santa Cruz do Sul (RS), 2003. Disponível em: . Acesso em: 16 abril. 2009.




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