sábado, 27 de junho de 2009

A PESSOA IDOSA E O DIREITO DA MORTE

Introdução
A bioética, traz em seu bojo discussões polemicas. Porém é de grande relevância abordar questões relacionadas a valores e a princípios morais, sendo estes presentes no cotidiano dos profissionais de saúde e sua relação com os pacientes. É de Hipocrates a afirmação que o médico, diante da enfermidade, deve conscientizar-se de dois objetivos fundamentais: “fazer o bem; não causar prejuízo” (GERMANO, 2006, p.73).
O tema morte e o idoso reportam a inúmeros estudos, considerações os quais requerem reflexões concisas; onde o pivô da discussão está à autonomia do idoso.
Este artigo tem como objetivo trazer algumas construções sobre a morte, a autonomia decisória do idoso, evidenciando alguns conceitos propostos sob a óptica de estudiosos sobre o tema.
A Morte sob a Óptica Moderna
A morte traz consigo mitos e verdades, e que possui características conforme a cultura vivida no tempo e no espaço, que foi e é questionada sobre varias perspectivas filosóficas e religiosas. Para Kovács, a morte é vista como parte do processo da vida. Alguns filósofos da modernidade como Michel de Montaigne , Karl Jasper e Martin Heidegger, postulam a condição de morrer a própria existência da vida. A racionalidade científica por muitas maneiras não consegue dar significado para questionamentos elaborados; na época atual, em que a biotecnologia e tecnociência avançam com aparelhos ultramodernos, a medicina com o embate da morte, avança com os transplantes de órgãos, confrontada e sem resposta definidora de morte.
Freud coloca a morte como sendo a maior certeza da condição humana, embora quase sempre tratada como um assunto relegado a um segundo plano, constituindo intrínseca peculiaridade do Homo sapiens sapiens, o único ser vivente que tem a consciência da sua própria finitude (FREUD apud SIQUEIRA-BATISTA, 2004). A finitude da vida leva o ser humano ao desconforto e ao confronto entre viver e morrer, este paradoxo remete aos pré-conceitos de definição.
Pode-se conceituar a morte apenas em um processo natural dado como morte clínica? Segundo Siqueira-Batista (2004), há diferentes perspectivas para conceituar a morte: morte clinica, parada cardíaca; morte biológica, que surge como uma "progressão" da morte clínica, diferindo desta por seu caráter irreversível; morte óbvia, evidente estado de decomposição corpórea; morte encefálica, que é compreendida como um sinônimo para a morte biológica; morte cerebral, que não deve ser confundida com a morte encefálica, uma vez que pode ser feita a distinção entre ambas pela análise da respiração; morte jurídica, estipulando-se, no artigo 10 do Código Civil, que a morte termina a existência da pessoa natural; morte psíquica, na qual a percepção psicológica da morte antecede, em um tempo variável, a morte biológica;
Siqueira-Batista (2004), ressalta que, a morte perpassa a própria evolução da ciência, sobre tudo na primeira metade do século 20, em que a morte clinica era praticamente sinônimo da morte biológica; há uma unificação de conceito entre a morte clinica e morte encefálica, instituída a partir da metade do século 20.
Parece ficar evidenciado que a questão de conceituar a morte tem como parâmetros o momento e aos avanços biotecnológicos, perpassando do processo natural que é próprio da vida, para a dimensão decisória social e cientifica, a fim de que pareça ser a mais apropriada.
Morrer a própria morte: Autonomia
O modelo de análise bioética que alicerçou os inúmeros problemas suscitados pelos avanços bioéticos, em particular as investigações com seres humanos e comumente utilizado e grande aplicação na prática clínica na maioria dos países é o “principalista”, introduzido por Beauchamp e Childress, em 1979. Esses autores propõem quatro princípios bioéticos fundamentais: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça (GERMANO, 2006, p. 59).
O principio da beneficência contém um principio básico – fazer o bem, do latim bonum facere, é utilizado nas praticas dos médicos, enfermeiros e demais profissionais, a fim de proporcionar o bem estar do paciente; já o principio da não-maleficência, complementa o da beneficência, prevê o comprometimento profissional de não causar dano ao outro - non nocere. Em qualquer estudo sobre ética, a justiça torna-se o tema ilustre. O informe Belmont define o principio de justiça como imparcialidade na distribuição de riscos e benefícios (GAFO apud GERMANO, 2006, p. 60). Porém o princípio de “não causar danos” é perfeitamente aplicável para rejeitar qualquer forma de terapia agressiva e fútil; visto este como princípio da não-malificência (PESSINI, 2007, P. 129).
O Princípio da autonomia teve suporte na Carta dos Direitos dos Enfermos dos hospitais privados estadunidenses no ano de 1972, esse princípio tomou vulto por outros países, incluindo o Brasil, que, influenciou a elaboração da sua própria Carta, onde defendia os quatros direitos fundamentais: direito à vida, à assistência sanitária, à informação e à morte digna1.
Etimologicamente a palavra autonomia, vem do grego autos (próprio) e nomos (regra, autoridade ou lei), e significa o poder de tomar decisões sobre si mesmo e assumir o controle da sua vida. Para Ribeiro “cada indivíduo é um Estado em si mesmo; cada indivíduo, enquanto não violar direitos alheios, é o seu próprio soberano, é autônomo”.
A autonomia entendida como um princípio ético, e uma forma de liberdade pessoal baseada no respeito pelas pessoas, no qual os indivíduos têm o direito de determinar seu curso de vida enquanto esse direito não infringir a autonomia dos outros (HOSGTEL & GAUL apud DIOGO, 1977).
A capacidade de se autogovernar, escolher, dividir, avaliar sem restrições internas ou externas... com o critério da autonomia, há uma reviravolta completa na relação médico-paciente. Emergiu uma relação não mais de sujeito (médico) e o objeto (paciente), mas de sujeitos (médico e paciente). Agora, trata-se de sujeitos autônomos, que estabelecem relações interpessoais, compartilham decisões em parceria e no gozo de plenos direitos (PESSINI e BARCHIFONTAINE,1996).
A relação entre pacientes e profissionais, tem um novo comportamento, no qual se reconhece a capacidade de decisão do paciente, este é o marco do princípio da autonomia; nesse sentido, o consentimento informado, representa o respeito à pessoa com suas convicções e crenças.
O Idoso a Autonomia e o Profissional da Saúde
A relação entre pacientes e profissionais da saúde toma um novo conceito dentro do saber laico, tomando uma nova concepção do manifesto das vontades, até então sucumbidas pelo poder do império da vontade dos médicos, que traz a luz uma nova forma de relação entre ser de direito e o profissional da saúde. Essa relação fortificou-se e deixou de ser essencialmente paternalista.
O conhecimento trouxe ao paciente poder de interferir nas decisões do seu corpo e à sua própria vida. E como sendo o protagonista principal passou a ter direito às respostas quanto aos questionamentos: o que?, quando?, como? e onde?, mudando assim a relação médico-paciente, desmistificando o conceito até então paternalista e decisório em nome da saúde e bem-estar; desconsiderando as vontades; que subentendiam que por falta de conhecimento técnico-científico, desconsideravam a autonomia da personalidade do paciente.
O papel do médico hoje deve estar adstrito ao de um conselheiro sobre decisões clínicas, mas não deve tomar as decisões sem o consentimento do seu paciente. Dessa forma, a relação médico-paciente passa por um processo de gradual substituição do paternalismo pelo consentimento informado (RIBEIRO, 2006).
As transformações provocadas por este princípio, implicou na deliberação das suas vontades que são os testamentos vitais e as diretivas antecipadas, que “são instrumentos de manifestação de vontade com a indicação negativa ou positiva de tratamentos e assistência médica a serem ou não realizados em determinadas situações” (RIBEIRO,2006). Por meio desses documentos, privilegia-se não somente a autonomia, mas também a capacidade de autonomia.
De acordo com essa nova concepção da relação médico-paciente, fundamentada no princípio da autonomia privada, os enfermos passaram a ter o direito decisório sobre o tratamento terapêutico a que desejam se submeter e decisões que envolvam risco para a sua saúde ou vida. Os médicos e demais profissionais da saúde devem respeitar a autonomia do paciente de receber ou não determinados procedimentos, de permanecer hospitalizado ou solicitar a sua alta.
Considerações Finais
Este trabalho apresenta apenas um esboço de alguns conceitos apresentados sobre a autonomia da pessoa idosa. Nele, é possível constatar que o idoso é o protagonista principal, por tanto, a discussão sobre o seu destino final está imbricado nos aspectos do momento em que está vivendo sendo psicológico e terapêutico.
A reflexão acerca da bioética no que tange a morte e a autonomia do idoso deve ter um caráter multidisciplinar e interdisciplinar, para melhor compreender, em toda a sua complexidade; os diversos desafios ligados estão ligados não só aos avanços das ciências da vida, cultural, mas também ao sistema judiciário.
Referências
DIOGO, Maria José D'Elboux. A dinâmica dependência-autonomia em idosos submetidos à amputação de membros inferiores. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 5, n. 1, jan. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11691997000100007&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 15 jun. 2009. doi: 10.1590/S0104-11691997000100007.
GERMANO, Raimunda. Bioética no cuidado de enfermagem. In: Programa de Atualização em enfermagem: saúde do adulto: PROENF, Carmen Elizabeth Kalinowski (Org.). Ciclo 1, módulo 2 (2006) – Porto Alegre: Artmed/Panamericana Editora, 2006.
KOVACS, Maria Julia. Bioética nas questões da vida e da morte. Psicol. USP [online]. 2003, vol.14,n.2,PP. 115-167.
PESSINI, Léo. O Desenvolvimento da bioética na América Latina. In: PESSINI, Leo, BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. (Org.). Fundamentos da bioética. São Paulo: Paulus, 1996. p. 9-29.
PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de
bioética. 6º ed. São Paulo: Centro Universitário São Camilo; Edições Loyola, 1995.
PESSINI, Leo. Distanásia – Até quando prolongar a vida?. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
RIBEIRO, Diaulas Costa. Autonomia: viver a própria vida e morrer a própria morte. Cad. Saúde Pública [serial on the Internet]. 2006 Aug [cited 2009 June 04] ; 22(8): 1749-1754. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006000800024&lng=en. doi: 10.1590/S0102-311X2006000800024
SIQUEIRA-BATISTA, Rodrigo and SCHRAMM, Fermin Roland. Eutanásia: pelas veredas da morte e da autonomia. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2004, vol.9, n.1, pp. 31-41. ISSN 1413-8123. doi: 10.1590/S1413-81232004000100004.

3 comentários:

Sofia Inês disse...

Os idosos solitários são um perigo na sociedade!

Sofia Inês disse...

Os idosos solitários estão em risco na sociedade... Ninguém olha para eles!

Sofia Inês disse...

Segundo a OMS, desde 23 de Janeiro de 2016 23:42, existe um índice de correlação entre a saúde mental e a busca espiritual.